segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Como os meninos-vênus nas canções da bjork
Quem diria que caberiam tantas pérolas na sua boca
Não é que a gente mente quando perguntam o que a gente ta pensando
Damos uma resposta evasiva
Em contramão do desejo de dizer exatamente o que se espera que diga
E é verdade
Era isso mesmo que você achou que eu estava pensando que eu estava pensando
Idéia loka
É estranho e incrível como se pode falar com o corpo sem dizer palavra alguma
É afrodite e eros em unidade
E como saber se já não se passaram nove anos
Enquanto te olhei dentro de teus cristais
E achei que poderia ser você por um segundo
Beijei tua boca com cheiro do meu sexo
É possível preencher os vazios esbranquiçados com carinhos
É possível atravessar a carapaça, a segunda pele, até a intimidade em carne viva e renovada
Se pudesse fazer um som feito o da cigarra
E te contar um conto romeno muito doido
Seria entender a borboleta que ainda é larva
E aceitar a seiva do silêncio
Teu corpo fino é mar aberto
Verde-água
Carmim
Estrela do mar
E do céu
Uma serpente que morde a cauda
É uma serpente que morde a cauda
Se passam nove anos
E volto pra casa num carro de fogo
O vento sussurra nos meus ouvidos os segredos da vida
É no limite do desconhecido que se  toca o próprio centro cardeal
Não há mais como se perder
Tento escrever um poema
E pulam da minha boca feito pererecas palavras precipitadas
Insanas para achar seu rumo nesse divagar
É lento como vestir os sapatos
Despir-se das roupas
E vesti-las novamente
É preciso se perder pra se encontrar é o que dizem

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Um poema-vômito não é flor que se cheire

Cada vez que fico mais só
E me retraio pra dentro de meus suores e musgos
Quando eu entro no meu casulo, na minha casa
Meu corpo é minha casa
Quando eu toco meu umbigo com meu nariz
E entro dentro de mim pelo umbigo
E vejo meus órgãos vibrarem
Uma grande orquestra hormonal
E meus olhos observam meu estômago
Do lado de fora sou só uma bolinha de músculo contorcido
E se olhassem pra mim
Estranhariam
Mas ninguém olha
Então eu olho pra dentro do meu umbigo levemente sujo
Toco minhas cavidades internas com a língua
E provo da minha própria gosma
É uma delícia
Um pouco azedo no final
Mas no geral é bem gostoso
Cheiro meus fedores cor de abóbora
E dou um berro bem gritado
Que de tão bem berrado
Implodo
O quarto fica todo vomitado
De órgãos e peles e vozes
Uma gargalhada tremenda
Rebatendo pelas paredes
Até que canse e murche
É o fim

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

É quente
O céu é azul de uma profundeza sublime
Chego em casa com a pele fervendo
E ainda sou criança

As árvores absorvem as sombras
E meditam sobre o pousar
Das coisas em suas
Existências translúcidas

As pernas caminham
E não pensam
São músculo e sabem para onde vão

O tempo avança e retrocede
Eu envelheço dentro de um túnel
E você,
Feito um mar onde mergulho e
Encaro a imensidão absurda,
O azul revolto e calmo e
A chance de se perder,
Você atravessa o túnel comigo

A cabeça esfria e o olhar vacila
Mas a energia dissipada no ar
Escancara os interiores abissais
Sei no que te olho que te gosto demais

O céu e o mar se fundem
Irmãos e amantes
Derramam a leveza e a expansão
A incrível capacidade de transmutar-se

Feito um caranguejo
Feito um escorpião



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Viver é caos
Me perco na minha desordem existencial
Sei por algum motivo fundo que sou
Quem devo ser
Quem já sou
Tá nas estrelas
A vontade de virar lama
Não é preciso definir ou entender
Mas é preciso ser sincera
Com o turbilhão luminoso que se emaranha dentro de mim
Minha cara cada vez mais estranha diante do espelho
Estou mudando?
Pra onde seguir?
O que quero?
O que me faz sentir a criança que me habita?
É preciso colocar pra fora em corpo em traço em som
A liberdade a melancolia
Meus pulsos impulsos expulsos de mim em cor
Me reconheço no outro e me misturo com ele
E de repente
Me descolo de mim
Eu sou
Eu sou o sol indomável
Eu sou o espírito livre
Eu sou o berro e o riso mais fundo que há
Que sai da minha garganta arranhando
Extravasando tudo
E chega ao mundo grunhido
E então percorre as noites tilintantes
Escapando de mim risonho
Sonha a cabeça dos dormintes
E pinga da pia do céu iluminado de raio
Serena é a chuva que cai de fininho
Eu sou tudo e todos
Eu não sou nada
E não é isso mesmo ser deus?

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Desbravo meu corpo com o teu
Descubro a flor que sou e
Desabrocho em tuas mãos
Desterra-se  o solo que contém meus pés
Descentraliza o eixo que me mantém sobre as pernas sem tombar
Tremo
Caminho sobre o desconhecido
Desconheço o caminho das tuas léguas
E por isso mesmo exploro o território das tuas pintas
Até pintar tua cama de vermelho em sonho
Desatina, flor
Enlouquece as minhas beiradas
Desmancha as minhas certezas tolas
Faz do meu céu da boca o topo do teu desejo
Com a tua linguística transbordante
Dos des que desarrumam meu cabelo
Instaurando a desordem deliciosa do transe





domingo, 9 de outubro de 2016

A todos os afetos nutridos
Por mais que confusos
Por mais que atados ao medo

Saber desatar os nós que embrulham o estômago
E me fazem enganar a mim mesma

Ando em círculos
Te procuro e me perco

Perdoa

Se te maltratei foi porque me maltratei primeiro
E nenhum de nós merecia

Ainda lembro de um quarto rosado toda vez que escuto radiohead

E então eu danço
Não há mais nada que se possa fazer

sábado, 8 de outubro de 2016

De tudo que restou de mim
A inquietude das palavras trôpegas
Me move adiante aos mistérios sem fim
O universo é só um ponto engasgado na minha garganta

Tenho sede de intensidade
E um sossego interrompido de pressa
A ansiedade é uma hidra
Corta uma cabeça cresce outra

Ligar as constelações que brilham em mim
Tecer um manto de desejos
Pra me encolher nos dias chuvosos
A imaginação é maior que o cosmos

Navego numa jangada o hiper-espaço
Silencio e amorteço
Atravesso o avesso do mundo
Chego em lugar nenhum
E tiro um cochilo
Adentro o espaço da sala
Cheia de caras alheias
Atravesso o fumo
Firmo o olhar em cada aresta
Presto atenção em uma história engraçada
Uma estranha consciência me atravessa
Esqueço minha cara
Só alcanço o outro e meus pés
Sapateio e dou risada
Solto palavras sem controle
Ouço o eco da minha voz e ensurdeço
Reino no vazio que me habita
Nenhuma lágrima escorre de mim
Emburreço
Endureço
Embruteço
Mas o corpo não esquece de dançar

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

La vida en rojo ou Ode ao vermelho

A terra o sangue a carne
O vermelho é a víscera da vida
A fome e a vontade de arranhar a pele
De certo que o azul o amarelo e o laranja também são a vida
Porém de forma mais branda
O vermelho é o fogo
É toda a intensidade que corre nas veias
O azul o círculo e a nota dó são o divino espiritual
O vermelho é a cor que habita os ventres
É a carniça é o dente que morde
O calor do sol é vermelho quando toca os corpos nus
A vida é nua
A vida é crua
A vida é dentes e unhas
Avermelhada e úmida
O leite que escorre das tetas
O cuspe e o movimento
O berro
O nascimento
A coragem que racha as rochas

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Que saudade que eu tenho
Daquele calor de não respirar direito
De ver tudo torto
Eu e você de calças arregaçadas
Com o pezinho na água
Naquela casa no meio do nada
O jardim de concreto e mato seco
Nós, ruínas
Saudade de montar em você e chorar de amor e tristeza
A tristeza gruda na pele
O amor derrete
Eu beijo teus lábios úmidos
Como se fosse a última coisa a fazer
Antes de me esvair com o vento
Aspiro teu cheiro fundo
Te beijo inteiro
Cada parte de pele
Te seguro mas já sei que não é mais meu
Que tesão triste
Em cima do telhado te bato uma punheta
O céu é enorme
É enorme é enorme
O desejo atravessa a estratosfera
Mas só por um segundo
E que triste
Morremos
Morremos
Morremos


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Presente de aniversário pra mamãe

Pra além do tempo e das estrelas
É o amor que tenho por mamãe
Que me nutriu no ventre e na vida
Com seu fio infinito de amor

Minha mãe é loira dos olhos azuis
Eu sou castanha castanha
As engrenagens de mamãe são triângulos
As minhas são círculos

Tem coisas que a gente não escolhe
Como pisar o pé pra dentro

Tem filhos que são pássaros
Tem filhos que são caranguejos

Quando eu era ainda um pingo
Tudo que eu queria era brincar e voltar pro colo da minha mãe
Brincar e colo de mãe

Ai a gente cresce e desaprende a chorar
Fica meio pedra com cachoeira dentro

Mas o amor a gente sente no cheiro
Não importa quantas vezes discordamos brigamos gritamos
Eu sei
O amor é mais fundo que o medo
Eu sei

E quando eu era pingo
Eu tinha medo do escuro
Não morri e agora tenho medo de outras coisas
Como os meus próprios sentimentos

Um trovão que escapa no escuro
Tudo grande ao redor
Minha mãe é o céu
Que abraça o mundo

Ter ternura
Ser certeza

Enorme enorme enorme
Feito um balão
Feito um planeta
É o amor que eu sinto por mamãe

Do jeito que ela cuida de mim
Eu também quero cuidar dela
Por que também tenho flores na barriga
Um oco vermelho de amor

Queria dar a minha mãe de presente
Alguma coisa feita de água e luz
Como uma bolha de sabão sobrevoando nossas cabeças

Queria ao menos dizer pra mamãe
O tanto que eu sinto por dentro
Uma cachoeira rosada
Da boca, a borboleta

Então eu danço com as palavras
Só pra você ver, mãe
Que nem quando eu tinha 5 anos e tava aprendendo inglês
Porque eu te amo mais que tudo nessa vida

Feliz Aniversário


terça-feira, 23 de agosto de 2016

Sonho com meninos
Acordo grávida
Minha barriga é uma caverna de terra úmida e pedras
E os meninos aqui habitam
Amontoados
Um deles me conta um segredo
De que não lembro mais
Organizam um motim aqui dentro
Tem pele quente e são amigos das minhocas
Brincam o dia inteiro
Não tem pai nem mãe
Moram numa caverna dentro da minha barriga

domingo, 7 de agosto de 2016

O útero agora lateja
De correr pra pegar ônibus debaixo do sol
Reclama da exasperação
Corrida de bicicleta no meio da cidade
O útero reclama na contramão
Os russos lideram a corrida
Os russos ainda brigam com os americanos?
Os russos estavam ganhando
E não vi nenhum americano
O útero descansa no ar condicionado do ônibus do metrô
O útero não toma conclusões
Não reclama mais e repousa

Agora que enfim caiu a ficha
Eu posso descarregar minhas lágrimas no oceano
O quanto eu te amei foi mais do que cabia em mim
Foi com cada fio de cabelo
Cada arrepio
A cabeça lateja de tanto chorar, contrair a face em saudade
Do quanto eu te amei
Que era mais do que cabia em mim
Que era mais
E extravasava o peito
E agora dói
Meu amor, dói
Amar é se entregar de peito aberto
Com risco de cair e quebrar a cara
E doer a cara toda
Vale a pena pra caralho

Queria estar na sua rede agora
Mas to toda vomitada no chão do banheiro
Com água quente caindo caindo
Sobrando pedaços de mim pra fora
Com frio
Sentindo você ir embora
Escorrendo pelo ralo
Junto com as minhas lágrimas de amor e saudade
Direto pro oceano
Você merece o atlântico inteiro, meu amor

domingo, 24 de julho de 2016

2016

Aproveito a doença e a histeria
Pra eriçar os pelos do corpo
Fazer vibrar vértebra por vértebra
Entranhar nos meus buracos os dedos sujos da rua e a solidão que trago com ela
A fumaça impura das bocas maltratadas
Mordidas e beijos cheirando a buceta de todas as esquinas
O egoísmo e o sexo
O asfalto tremendo com as rodas dos carros
Um tesão intenso a uma da manhã pelos bêbados dentro, dentro, dos carros
Qual a diferença entre dedos e carros?
2016

Resquícios de gozo nos dedos
O cheiro, o gosto
Corpo acordado feito pão dormido
Teu cheiro renasce com a aurora
A pele cheia de gozos
Suor e outros brilhos
Pele-pêssego
Você ainda dormindo entre cobertas
Longe
2016

Teu cheiro fica
Entranhado
Nos meus dedos
Quando roo as unhas
Sinto a intimidade dissipada
Bola de fogo
Teu corpo no meu
E de repente
Não
2016

Sou porque preciso levantar todos os dias
Da cama
E enfrentar os barulhos dos carros
E as pequenas palpitações
As pessoas pretendem ter coisas
E fazer caridade para limpar a alma
Tenho longos anos de uma vida morna
As instituições me perseguem
Enquanto eu amarro os sapatos
Ser adulto exige muito do corpo
Por isso procuro rir e dançar com frequência
Assim comigo mesma
Porque o outro é sempre mais difícil comigo
Queria dormir melhor
Para poder lembrar dos sonhos mais vezes
E com mais detalhes
Poder escapar
Dos dias repetidos
Um pé depois do outro
Um pé depois do outro
Um pé depois do outro...
2016

As palavras me faltam
Engasgam no meio do caminho
Entre mim e o mundo
Sinto borbulhos, fervores
Dançarem através do meu corpo
Mas eles movimentam-se num subespaço
Onde as palavras não alcançam
Há apenas letras soltas na geléia primeira
Da vida
2016

Notas doces
Caramelizadas
Ecoando, velhas, do piano
A madeira escura, sombria
Guarda memórias de toques outros
De outras vidas
De outros tempos
Andante
Dolce
Canta suave a saudade
Chora baixinho
E faz trovoada
O som dos meus dedos
Paternais
A reger a melodia confiante
Que é como um grande coração
A pulsar forte
Vibrando pelo corpo do cômodo
Adentrando imediatamente meus ouvidos
Que respondem com os dedos
Determinados
Continuamente
Tocar ouvir tocar
Sentir de todo
Um bicho da seda enorme
Sentado numa cadeira
Aperta o pedal
Vem a melancolia
E o som da chuva
Uma chave é capaz de abrir-te
E revelar teus segredos todos
Caixa de Pandora
Borboletas mortas lá dentro
Vem a raiva
E o choro
E toco forte
Para a floresta toda ouvir
Como é triste o meu piano
Como é louco!

Protótipo de Instalação

2016

Toco minha vulva que
empresta ao dedo sua superfície:

Uma obra de Yayoi Kusama ou Louise Bourgeois 
Distantes e mesmas
Repetindo em falos, faltas

Uma almofada gigante rosa
Cheia de gel
Muitas pessoas se esfregando 
Entrando, brincando
Na vagina-mãe

É escuro e quente
É próximo do útero
O saudoso útero
Lar-primeiro

Várias pessoas juntas
Dentro
Se tocando, apertadas
Desconfortáveis
Nem todas

Uma criança
Perdida

Pele

2015

Como poderei livrar-me da minha pele?
Da minha roupa de cada dia?
Não nasci nua
Nasci vestida de pele
Essa mesma que carrego desde o ventre
Com células remanescentes
E outras renovadas
A mesma que carregarei até o
Instante
Em que os sentidos se apagarão
E no silêncio do escuro
Restará de alimento a outros espíritos
Selvagens

Pele
Reduto de memórias
Toco, tateio
Minhas marcas
Olho a palma da mão
O dedo do pé

Mapa de estrelas
Pintas
Encruzilhadas
2015

Quando o sol vai ficando frio
E azul
Tudo se ilumina de claridez
E, por um momento,
As coisas parecem escapar de suas matérias
E o mundo todo respira

Um globo de luz se escondendo nas montanhas
Indo embora apressado
Tudo ainda claro,
Frio e azul

O verde das plantas é envolto no azul
O meu corpo,
Dividido em luz e sombra,
Emana um branco azulado...
As coisas no paraíso devem ter essa luz

Quando o sol se despede dessa terra
Deixa aqui os raios do seu mistério
O mundo inteiro, então, flutua
Enquanto aguardamos a melancolia da noite
Quando as cores escurecem
E minha alma esvazia
2015

Essa dor do mundo
Acumulada em meu peito
Não existia quando era criança
Esse mundo adulto não me cabe
Quero voltar a ser grão de gente
Para descobrir as coisas sempre
E repetidamente
Sem nunca entendê-las ao certo
Mas entendê-las certamente

sábado, 23 de julho de 2016

2015

No peito carrego um filho
De solidão e solidez.
Me renovo.
Removo os cacos de vidro
Encravados no meu coração.
Filho renascente...
Meu filho feito de sonhos
E dores.
2015

Tua presença mágica
Acendeu em mim mil lamparinas;
E enquanto escutava tuas palavras
Enfeitiçadas,
Com o olhar atento e fascinado,
Vi as minhas luzes subirem aos céus
Até tocarem o paraíso.
2015

Quando me olhei no espelho, me vi do outro lado.
Desse lado, me olhei do outro lado.
Do outro lado, me vi desse lado.
Ora aqui, ora ali, observei-me.
Disse ao eu do outro lado que o amava.
Chorei do outro lado. De gratidão.
Disse ao eu desse lado que o amava também. Beijei-o ternamente.
Desse lado, me despedi, fui até o espelho distinto onde nada me pertencia. Sentei sobre o parapeito e me pus a contemplar.
Do outro lado, resguardei-me no vazio, a esperar o próximo encontro.
2014

Vejo pessoas no ar
Construo cenas no vazio
Eu fantasio
Falo com as paredes
Danço pro espelho

Vou levando a vida de fora
E a vida de dentro

Finjo ser borboleta
Me fecho em meu casulo
Onde posso ser o que quiser
Fico a imaginar o céu azul
A liberdade do azul
Crisálida,
Aos poucos vou metamorfoseando
Espero, só, o momento de abrir-me ao mundo
Enquanto isso, sinto o sol
Amadurecer-me

Do lado de fora
Não há ilusões ou expectativas

Vejo pessoas na rua
Cenas se constroem diante dos meus olhos
O espaço é cheio, completo

Sou preenchida
Memorizo o cheiro das plantas

As asas se formam
Voo livre, calma
Tenho um dia inteiro de vida

Angústia Anatômica

2014

No âmago do meu estômago
Estranho e amargo
As mágoas se embrulham
Borbulham
Se acumulam as lágrimas
Nunca roladas
Interiorizadas, agoniadas
Corroendo minhas paredes gástricas
Se tornando um tornado de tormentas
Junto ao alimento em digestão
Bolo furioso de matéria sentimental
A angústia penetra meu sangue feito verme
Rasteja por entre hemácias e plaquetas
Deixa escorrer a gosma fria
Viscosa, viciosa
A dor perfura meus pulmões
Preenche os alvéolos d'água
Dissolve a vida em dois tempos -
Um
Sufoca, me afoga
Trai, me transborda
Não consigo respirar
Não consigo olhar à frente
Os olhos estão encharcados
A fronte pálida, contraída:
Contra a ida de encontro ao nada
A garganta seca arde
Eu tusso
Dois -
Eu cuspo a ânsia
A azia passa
Eu vomito melancolia
O resto, excreta o reto

Na Banheira

2014

Debaixo da água
Sou/estou em uma sopa de mim mesma
Em que pele viva e pele morta se misturam diluídas numa mesma matéria
Meu corpo submerge minhas angustias
Que com o sonolento fechar dos olhos evaporam
E por um breve momento tenho a sensação de paz
Minhas pernas já dormentes sonham
A respiração uma vez ofegante agora é como uma pluma num céu límpido
Que flutua devagar rumo ao chão
Minha mente esta em plena harmonia com o espaço
De olhos ainda fechados me enxergo de longe, em transe
Em fase de purificação e transcendência
A pele renovada ganha outra textura
É resistente as impurezas do mundo
Me protege da dor intangível
É uma capa quente de sensações claras
A consciência se perde no ar até que quando essa dança de oscilações atinge o solo, eu abro os olhos e sou um alguém mais firme, ao mesmo tempo mais leve.
2014

Agrupamento de moléculas ambulante
Matéria orgânica andante
Corpo estranho, corpo meu


Cérebro emaranhado
Coração pulsante
Pele sensível
Feito minhas emoções


Aberta ao mundo
Corpo mórfico
Pensamentos instáveis

Deixo a realidade me atingir
Me acarinhar ou me ferir
Deixo ser e existir


Olho meus pés de cima
Olho-me no espelho
Me reconheço
Sou Deus em carne e osso

Sou meu próprio deus
Corpo transcendente
Alma toda espiritual


Minhas mãos imperfeitas
Modelam a realidade
Minha essência metamórfica
Modifica órbitas gravitacionais


Me permito a introspecção
O olhar reconhece a imensidão
A imperfeição perfeita
A eterna transformação


Reações químicas capazes de loucura
Energia que emana dos poros
Ser humano essencial
Vivo, poético, alérgico
À solidão e ao abandono


Lágrima salgada escorre
Lubrifica o espírito
Pousa no solo
E se cala

A arte me envolve e abençoa
Eu oro, eu choro
Animal misericordioso,
Ocasional...

Cactus Solitarius

2014

Minha flor do deserto
Tão rara, tão linda
Te observo na areia árida:
Tão sozinha e tão única

Ao longe no silêncio te admiro
Espero para te ver se abrir
No tempo infinito de um suspiro
Aguardo o seu florescer sorrir

Seu cheiro é cheio de doçura
Eu respiro e me aproximo esperançosa
Mas seu espinho me espeta, me fura
Fere a pele de leve, sem intenção
Eu choro calada, que salgada ilusão

Só se escuta o vento
Num assobio melancólico e atento
A mover tão facilmente as dunas
Dançando eternamente na solidão
Desmanchando aos poucos meu coração

Que faço pra ter-te por completo?
Meu peito por você, minha flor, é de amor repleto
Por isso tento chegar cada vez mais perto
Para ver se um dia me contas um segredo cor-de-rosa
Me convida para seu casulo colorido e me ensina a magia das flores, das cores e dos amores...

Esperança e Morte

2013

Ouvem-se abafados trotes ao longe
Do cavalgar de um negro cavalo
A seu lado andava um monge
E estava uma pálida dama nele montada

Dos olhos escuros qual noite profunda
O olhar indiferente tudo via
A pisotear a terra mais imunda
Avançava a sombria cavalaria

A dama vestia o breu
E o monge uma branca túnica
O cobria um finíssimo véu
De uma seda delicada, única

No horizonte uma moça avista
A face da morte a galopes lentos
A esperança aos poucos perde-se de vista
Esvai-se o mais puro dos sentimentos

O cavalo estrada abaixo caminha
O monge fatigado pra trás vai ficando
A dama de preto paciente vinha
Enquanto a moça morria esperando

Ao aproximar-se a dama da morte
Na moça, credos confusos se contorcem
De angúsia se fecha seu corpo, antes forte
De ânsia, rugas à face lhe aparecem

Está agora nua
O corpo envelhecido é dor
E ao reluzir da lua
A alma, porém, é toda amor

Os olhos da senhora agora cerram
A noite adentrando
A cavalaria no escuro chegando
E ela esperando
Esperando!
Esperando...
2014

Na solidão do meu ser,
No vazio da desesperança,
Nas profundezas do meu sentir,
Mora a saudade.

Elá está presente em cada poeira do meu existir,
Tudo que me rodeia é preenchido dela,
Cada espaço que atinge meu olhar,
O infinito de cada dia.

Saudade cheia de melancolia, 
De solitude,
Principalmente cheia de amor,
Amor transbordado.

Uma poça rasa e límpida,
Um rastro tênue no asfalto,
Um reflexo de minhas memórias,
Sempre minhas, 
Somente minhas!


2014

Os insetos dançam frenéticos 
Na escuridão
Uma confusão de zumbidos 
Gritantes
Você está no centro do vazio
Preenchido de que?
Escute o som disrítmico
Olhe o vôo louco dos invertebrados 
Está tão escuro
Eles se movimentam em órbitas desordenadas
O acaso rege a orquestra
E você é o caroço da música
Existindo
Animalesco
No centro do abismo
2013

Os cantos estão cheios de lágrimas
Nas quinas há pequenas poças
No lençol há gordas gotas
O parapeito da janela é úmido
Úmido de dor e sofrimento
Sofrimento de amor sincero
Sincero, saudoso e solitário
Escondido nos cantos das salas
Encolhido nas frestas das portas
Que agora se abrem
Para mais uma vez
Um coração doído, duro e desconfiado
Voar tímido e se aventurar
2013

Estou preenchida de sofrimento.
Meu corpo reverbera minha amargura:
Está fraco e decepcionado:
Vaga pelos cômodos sem razão.
Minha dor agora pesa nas costas
Por onde quer que eu ande.
Meus passos são longos e pesados
Meu peito foi esfaqueado,
Está agora aberto às impurezas,
Meu coração foi esfarelado
E jogado na imensidão do mar.
O céu foi pintado de vermelho:
Cor do sangue que jorra desse corpo:
Um corpo que aos poucos vai morrendo.
E deixando pra trás uma poça de desesperança.


Saudades-Perpétuas

2013

Tuas pétalas púrpuras
São roxas de saudade
Tuas folhas fúnebres
Pálidas de ansiedade

Ah! Saudades-Perpétuas
Seu espírito alegre
A alma de felicidade repleta...
De repente desmanchou

E agora que com o vento se foi
Me deixou no vazio da solidão
Tirou meu teto, meu chão
Me atirou no jardim do desespero

Deixou-me aqui a morrer
De eternas saudades
Do seu sorriso e seu cheiro
À doces lembranças ter

Fico a contemplar flor tão linda...
Liberaste teu aroma no ar
Após ser atirada no mar
Em meio a preces e sinceros sentimentos

Minha amada flor campestre
Fostes a mais bela de todas!
Mas a dor que tu deixaste
Só o tempo há de curar

Perpétuas saudades, Saudades-Perpétuas,
De sua essência tão pura
Da cor tão excêntrica
E do seu cheiro sorridente!

Ai, minha flor, ó minha flor
Que despetalaste
Esta lágrima é fértil de amor
E de tudo aquilo que representaste

Soneto de saudade

2013

Esse aperto no peito que vem de repente
Da lembrança de quem já não mais está
Mas na memória eternamente permanecerá
Junto a essa dor que pulsa no sangue d'agente

Pegou de surpresa esse melancólico sentimento
Recordações de alguém já tão feliz que nos deixou
Por obra de um destino seleto que nos tornou
Escravos desse interminável momento

Por um instante mais
Queria sentir seu carinho
Afeto que não se esquece jamais

A solidão por fim me rodeia
Há de seguir-me por todo caminho
E a saudade tão fria agora passeia

Soneto de amor

2013

É um mal que sofro
É uma dor que arde
Nem o maior sopro
Atenuá-la pode

É uma angústia corrosiva
Que me destrói aos poucos
É um bicho parasita
Que consome os loucos

É um tiro no peito
É uma doença sem cura
É a morte que espero no leito

E quando o diagnóstico finalizado for
E eu estiver no auge da loucura
Poderei, enfim, morrer de amor

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O ser

2012

O ser há e há de ser
Aquele que semea o haver
Que há de vir a ser
A consciência do próprio ser

Será o viver e o morrer
Ser e não-ser
Ser sereno
Não-ser pequeno

Não-ser que não há
Vazio logo será
Ser que, porém, há de ser
Aquele que planta o haver

A tecelã

2013

A tecelã

Na sala vazia
A moça na cadeira senta;
Uma cadeira de palhinha
Que com o tempo se desgasta.

Em sua mão um grande novelo
Vai aos poucos fazendo
As mais belas figuras:
São faces, são arte, são precisos detalhes.

Compenetrada ela tece
As peças mais lindas:
Quatro pequenas meias mede
Pra caber no amor infindo.

O novelo vai tecendo,
Vai gastando, vai cedendo;
Mas a mulher molda com fervor
Um exótico cobertor.

E o novelo vai se esvaindo;
As forças vão se exaurindo;
Do trabalho intenso à acabar,
A senhora cai a cabeça à descansar.

Suas criações de lã,
Tomando vida cobrem
A fatigada tecelã,
Que agora dorme.

O fio então vai desfazendo...
Vai desmanchando;
Lentamente se esgueirando,
O fio vai se acabando.

Do sono a senhora levanta,
De um lado a outro fita a sala:
Um castelo a envolve tal qual manta
E a seus pés quatro meinhas, observa ela.

Com essa imagem sorri;
Com frio se encolhe;
O novelo enfim tem fim
E os olhos são cerrados em paz.

A sala contudo não se desfaz;
A pobre senhora agora dorme em sono eterno,
Mas deixou-nos esse castelo!
Templo de inspiração!

Em meio a amplidão,
Caminhos se perdem na memória,
Passagens que abrem o coração,
Já gélido, da pobre senhora.

No trono a rainha, já morta,
Descansa nas rendas mais finas;
No palco resta essa cena, silenciosa,
E com isso fecham-se as cortinas.