terça-feira, 20 de outubro de 2020

entranham-me quenturas serelepes,
percorrem-me a carne tesa e flácida nas margens,
tremem-me o tecido musculoso e vibram-me as partes ocultadas
sob os tecidos viscosos, maleáveis, que colam-se às minhas mamas molengas.

a libido salta:
corre e 
pressiona e 
ganha impulso e 
dispara 
vertical
no ar.

gente gente gente
um corpo 
meu deus
um corpo
que não é o meu!
meu deus me dê um corpo
que diga ao meu com gestos:
- você é um outro
me deixe ser outra
nessa noite abafada
sua e sua e pele e 
um pouco de sangue
e geme geme geme 

as bordas dissolvem um corpo que já não é este,
as fronteiras suspendidas no ar são lagartixas de luz 
dançando eufóricas ao som dos tambores que rufam e furam
milhares de cabeças que flutuam no quarto, sem torso nem rosto.

sábado, 17 de outubro de 2020

me inventaria outra tristeza 
se pudesse: um sentimento azul
e leve como uma pluma que cai
das asas distraídas de uma gaivota.

minha tristeza não seria uma pedra perdida 
em seu própio peso no fundo de um lago,
seria a água próxima à superfície,
invadida pelo calor frio dos primeiros raios.

a água, maleável, furaria a pedra.
minha insistência mole venceria sua crosta dura.

não seria a tristeza um animal despossuído,
vagueando pela floresta em seu delírio circular.
 seria um sinal de sã sensibilidade,
seria a possibilidade da beleza.

minha tristeza não seria amarga,
não queimaria a garganta no gesto
de esconder-se, envergonhada.
seria agridoce como as lágrimas:
inclinada às incertezas mais interessantes.

seria um barco a minha tristeza,
seria um porto e um farol.
seria um peixe-espada
pulsando vivo no coração das águas.


o que mata é nascer
com seis com dois com
quinhentos milhões
e quinhentos mil anos
dedos impressos nas rochas
na cal solitária dos muros
na digital futurística
de um passado que
já foi futuro e o sangue
seco no papel o meu
sangue cego surdo
gritante
emaranhado nas letras
fugidias nas vozes
ferozes que me
alcançam no íntimo
úmido num átimo
e mínimo segundo
em que já sou primeira
ou última nessa
rede viva de memórias