terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Mais uma translação se completa
Em alguns dias
(catorze para ser exata)
E agora, paciente, me enxergo inteira
Fragmentada
De amores

Amacio a saudade com cheiro de flor
Como se dobrasse um lençol recém lavado
E, trocando o jogo de cama,
Durmo tranquila ao som das molas retorcidas
Debaixo do peso do meu corpo

Quero ficar bem quieta
Procurar refúgio nas montanhas geladas
Anseio pelo lugar do nada
                                do vazio
                                do silêncio
Lá onde ninguém vive
               ninguém pisa
               ninguém fala

Mas gostaria de ir com você
E compartilhar minha solidão à dois
Te contar segredos baixinho
Dormir no balanço dos teus carinhos
Olhar nos teus olhos verdes de enigma

Tu que é semente

É preciso compreender a linguagem das plantas
O amor precisa cuidado para germinar
Se achegue cá, tatu
Que quero te ver bunito
Venha e traga frutas vermelhas ou roxas
Doces e suculentas
Pra encher as gengivas desse gozo fortificado
Pois traga também palavras bem selecionadas
E prepare a língua, meu amor
Que já anseiam meus ouvidos  
Por tua voz grave ruborizada em versos roubados
De caroços alheios
Canta o cântico dos enamorados
Me encanta com a melodia do fundo
Do poço primevo  
Onde fervem, pois, os teus versinhos pequetitos
Milimétricos  
E depois ainda,  
À conta-gotas
Sussurra-me nas orelhas eriçadas
A medida – fonte abrupta – do teu desejo

domingo, 8 de janeiro de 2017

O fio do tempo que tece essa segunda puberdade
A comichão do amor em prantos a arder a pele
A erupção telúrica dos teus afagos
Parcas moiras, venham cá moirinhas
Me façam um chamego enquanto preparo meu sono
Cozinho meus sonhos em banho-maria
Atravesso a pouca idade com o peito inchado
Tenho espinhas muito novas na testa
Elas que só agora vem povoar a minha fronte constelada
E já tão cedo canso da minha cara
Peço piedade ao meu corpo para que não me traia
Para que dele apenas cresçam sementes
Filhos-bananeiras
Do meu útero pequetito: frutos avermelhados
O milagre grotesco
Tece moirinha
Tece o meu amor em carne viva
Tece feroz a paixão que encharca os pelos púbios
Dentro das conchas uterinas dormem
Silêncios encapsulados em suspiros
Pois quando brotam da flor em prece
É palavra alagada e grávida
Dos meus tenros, férteis, anos
Que coragem a das pedras em dizer o indizível
Traduzir o magma que corre nas veias
O pulso virulento que ritma os descontroles

Preciso captar cada relevo da sua face
Com minhas antenas atentas
É doce o cheiro das tuas bochechas
Coroadas do mel da juventude

Abre tuas portas que eu abro as de cá
E vejamos quem ri por último

A carapaça que usas esconde tuas pérolas
Um mar que atravessa os mundos
Expande tanto que escapa o seio
Dos teus olhares
E se derrama no céu aroxeado
Dos sabores do fim da tarde

Se as nuvens fossem mais próximas
De nossas cabeças balonis
Então escutariamos as músicas das chuvas
Antes mesmo de nascerem
Chorariam depois em nossos ventres
Inundando as incertezas tolas que cobrem
A relva das nossas peles

E só quando o fio que sai do meu côncavo
Toca o seu convexo espelhado
Numa brincadeira de beijinhos de esquimós franceses
Aí sim,
o intraduzível impalavrável impensável
Pula da boca ao coração feito perereca assustadiça

Faz parte...
Três olhos
Três narizes
Três bocas pequeninas mal alimentadas

Sete cabeças ocas
Outras sete cheias de vento

Oito pés descalços cor de abóbora

Doze mãos aflitas descansantes

Quatro pernas vítreas
Quatro braços bambos

Sete mais sete são catorze
Pois seus dias são o dobro dos meus
Meus dias são a metade dos teus
E se eu dobrar os meus dias
Quem sabe eu - tão pouca - saiba usar então dos teus doze dedos musicantes
E aprenda a cantar as matemáticas da tua - uma! - língua

domingo, 1 de janeiro de 2017

Enche de ternura a minha boca
E assalta a minha infância erguida em prece.
Tece em fios tenros a baba que liga os ventres ocos
E, pacientemente, me atravessa o semblante duro
Até alcançar a carne mole,
O olhar fundo,
O sexo explícito e inconcluso,
A testa plácida,
E todos os suspiros tímidos
Esperando para serem arrancados da morada
(útero-casulo dormindo sereno dentro da minha solidão).
Remove a poeira que cresce no canto dos meus olhos,
E, peço-te, humilde, tende piedade das minhas mãos miúdas.