quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Hoje acordei num grito mudo
a raiva e sua voz ecoando
entre as paredes da sala de aula
Na multidão de timbres
debochados, autoritários
o grito se avoluma
a vogal aguda
rompe os muros
da boca, liberta
a indignação e
faz a mudez ruir

Hoje acordei para uma difícil tarefa
e o grito-mundo me pediu
escuta
paciência
humildade para saber errar
força delicada para poder nutrir

Hoje acordei e quis chorar
mas levantei da cama
de mochila nas costas
uma criança nervosa
para o primeiro dia de aula
toda a coragem estufada no peito
pronta para os arranhões e
para as memórias coloridas
que povoarão novos sonhos
quando eu for dormir

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Qual livro clama, 
de dentro da boca 
escura e quente 
da fera da escrita?

Qual livro trama 
silêncios & repetições
buscando uma saída
na palavra saúva
como uma epifania 
no corpo frágil
de uma formiga?

Qual livro é esse
que a minha língua
anseia por lamber
e as minhas mãos
salivam por tecer?

Pelo amor das palavras
sinceras & sagradas
rogo pelo livro oculto
perdido nas esquinas
da memória.

Rogo pelo meu querido livro,
para que encontre seu rumo
nas linhas tortas 
do meu pensamento errante.

Peço para que de mim 
não se esqueça
e no labor da letra
em mim se escreva.

Escrever:
Enguias eletrificam as águas
silentes e perigosas
do inconsciente.

A mão dispara às teclas
agitada pelo furor das sinapses,
abrasada pela faísca das palavras

suspensas,

nadando na atmosfera do pensamento,
aguardando, como peixes perdidos, 

surpresas suculentas,

sem suspeitar o gosto do ferro frio,
do remorso líquido 
escorrendo
do anzol.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Acordo:
O escuro me envolve por todos os lados.

Sinto as solas dos meus pés firmes
na terra fria de um lugar desconhecido.

Meus olhos imprestáveis demoram-se,
acostumando-se ao nada que preenche tudo.

O som do meu coração guia meus passos
em direção a um destino obtuso...

Tenho medo, mas avanço conduzida pela 
carruagem de borboletas que me habita a barriga.

Chamo a coragem pelo nome e ela se agita:

Um fio de puro ouro aparece no breu, 
iluminando parcamente o caminho.

À medida que avanço, me percebo 
percorrendo um velho labirinto.

Se falassem, suas paredes revestidas de hera
contariam histórias de antigos castelos.

No silêncio oculto, um sussurro longínquo
me canta os caminhos do meu pensamento.

Para onde vou, não sei. Confio, porém,
na tenacidade do fio e na delicadeza da voz
que me convocam a seguir meu rumo:

Pois que o caminho é destino
E o destino, desconhecido 
alento no escuro.


segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Um dia...

I.
Um dia me disseram
Já!
Era justo agora
E largo amanhã

II.
Um dia eu quis ser um segredo
Calei tanto que ninguém ouviu
Mas esqueci de esconder as mãos 

Elas me revelaram inteira

III.
Um dia eu rastejei na terra
Não era um soldado
Nem um lagarto

Era um sapo nascido ao contrário 

IV.
Um dia eu fingi ser escritora
Fingi tão bem que até eu acreditei

quarta-feira, 5 de julho de 2023

E pensar que existe
algum lugar
no planeta
agora...

Onde pandas desfrutam o amanhecer

Onde águas são eriçadas pelas asas de um beija flor

Onde um sapo repousa no silêncio úmido de uma pedra

E os bambus balançam ao som do vento,
inventando vozes farfalhantes
que brincam de caçar o sol

E pensar...

Que os bocejos se levantam
espriguiçantes
da minha garganta
anunciando a manhã
de mais uma terça-feira
Os carros,
à distância,
contra a luz
que reflete
a baía,
parecem
formigas
velozes
no formigueiro-
cidade.

As vias
parecem
veias,
por onde
o sangue
maquinal
escorre.

Enquanto avanço,
aos trancos,
nos flancos
de um ônibus,
a baía se estende,
impassível,
tocando
o horizonte.

Intemível,
ela repousa
em um silêncio
que inunda
o barulho
dos carros.

Basta abrir
os ouvidos:
lá estão
os sons
longínquos
das baleias.

Mensagens
subaquáticas
que só
o sonho
decifra.

O sonho:
essa criatura
marinha que
nos invade
o sono
e deixa
seus rastros
ao longo do dia.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Uma luz clara 
entre as nuvens 
anuncia o novo dia
e com ela uma descoberta
ilumina toda a terra:

O perdão é possível.

Não falo de redenção,
de cruz e carrego, 
que isso é assunto 
pra quem crê em pecado.

O perdão é possível 
como uma luz clara
que suaviza a dureza 
dos erros passados...

Erros são sempre aprendizados.

O perdão é possível 
se reconhecemos que 
a vida é experimento,
tentativa e erro,
processo constante de 
autoconhecimento.

É possível o perdão
porque o amor é sempre
uma possibilidade.
Asilo e exílio
de nossa frágil
humanidade.

domingo, 7 de maio de 2023

É estranho 
O extra ninho
A confusão de plumas
Na tentativa do vôo 
O vivo vortex do tempo
Penetrando as entranhas

É estranho
Os rasantes do vento
As metamorfoses 
Silenciosas das vísceras
A memória cortante
Inebriante como o
Líquido dos sonhos

É estranho
O sem tamanho 
Do sentimento quando
Suspensa no ar
Todas as coisas pousadas
Dançam 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Embalada pelo ritmo melancólico 
de uma música dos anos 10,
inundada num oceano
de papéis de bala,
me sinto, 
por um instante,
uma ilha perdida 
na imensidão 
do quarto.

Engulo água salgada
com gosto de nostalgia:

A solidão da adolescência;
O desejo de ser encontrada
entre coisas perdidas,
coisas quebradas;
Ser vista, ser amada.

O anseio por aceitar
qualquer caco de atenção,
qualquer mensagem 
encriptada
deixada numa página 
de um blog,
esquecida na sua,
na minha boca
selada.

Mas emerjo das profundezas, 
respiro o frescor que me abraça
e me reconheço outra:

Bem acompanhada, 
envolvida por um amor
que me enxerga e me aceita,
que começa bem no centro
do meu corpo amadurecido,
enrugado de lágrimas
doces como cafuné,
mais apreciadas
que balas de café.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

O peso das dores 
nos ombros dos dias
cravado nos músculos
das horas
aflitas 

Das cores, o cinza
crescendo no céu
da boca
até que a saliva
vire lágrima derretida

Os olhos: deserto
antevendo tempestade
acumulando oceanos
no dessalgar da idade

Irrompe a chuva
A água despenca
violenta
Lava as mágoas
cicatrizadas na pele
do tempo

O vento varre
as memórias turvas
O ventre esfria e dobra -
mesmo movimento 
quando ri ou chora

O duro das dores
amolece no dissolver 
das mágoas
E os dias amargos 
se esquecem no cair 
das horas