quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Tanta dor varrida
pra debaixo do peito

Escondida no fundo dessa
vala suja que pulsa
pisada a cada batida

Coração esquecido 
Feito terreno baldio

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O coração dispara
o metal frio das balas
atravessando o corpo
de um poema impossível

As aveninas das palavras 
paradas em silêncio apavorado
pólvora espalhada 
num intrincado mapa
de espanto e míssel

Recolho as cinzas de
um poema que não foi
regresso à casa
no antes da palavra
adormeço no caos

Sonho com peixes 
escorregadios
de puro susto e terror
o poema um fantasma
que me assombra pela manhã

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Quase tudo pode o cansaço me tirar:
O ânimo;
As vontades;
A alegria.

Mas tem uma coisa que nem ele pode cegar:
Os olhos da imaginação.

Esses que veem um tubarão iluminado 
adentrando a baía de Guanabara.
Que teima, diante do terror 
dos carros enfileirados,
que a lataria não vence a poesia.
Ao contrário, também ela é sua matéria,
já me ensinou o poeta das miudezas.

Esses que miram as ondulações sem fim
e veem a inevitabilidade do movimento.
O tédio espesso e largo
escorrendo azul petróleo.
Encapsulado em containers 
de contornos retilíneos.

Esses olhos, cansados sim,
mas jamais mortos, feito
peixes envenenados
sob a capa grossa d'água.

São olhos de tartaruga,
fundos e atentos.
Ainda que submersos,
não se esquecem de subir à superfície
buscar o que o sono não lhes ofereceu,

Isto é,

Os sonhos travessos
desaguando intrépidos
nas bochechas do dia.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

 Oi oi, leitoras e leitores querides

Venho compartilhar com vocês que agora tenho uma página na plataforma substack (uma plataforma que conecta escritores e leitores), onde posto alguns textos em prosa (crônicas, desabafos, anedotas). Convido vocês a conferirem e se inscreverem! Os novos post chegam direto na sua caixa de e-mail e são leituras de alguns minutos para rechear os dias com palavras calientitas. 

Dá uma olhada: https://danielacassinelli.substack.com/

Por aqui, continuarei partilhando minhas poesias íntimas.

Nos vemos (aqui e lá)!

Beijos,

Dani

terça-feira, 29 de abril de 2025

hoje 
a cidade 
um filme dos anos 20
mudo e em tons de cinza
chove um desespero quieto

as cores se apagaram da cena
tudo é concreto e mar
e um luto lânguido 
que escorre
pela baía 

uma baleia
chora sob as águas 
acidamente paradas - plácidas 
- como o véu de uma viúva a ver navios

duas estátuas sentadas num banco lêem
as sombras enormes das nuvens
escritas moventes 
do céu 

a sós 
eu e eu
num ônibus 
a atravessar a ponte
temos vontade de desabar
cinza sobre cinza sobre cinza


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Nessa manhã perfeita
De frio ensolarado
Cabe a minha infância inteira
E todo o inesperado 

O mundo se move comigo
Mas o tempo descansa parado
Enquanto pedalo minha bicicleta 
E o vento arrepia gelado

O sol cresce à pino
Arranha o topo do céu
A tarde uma camada fina
Escorrendo feito mel

O ar parece mais leve
Depois que a chuva o varreu
O azul penetra os pulmões 
E faz outono em corpo meu

A noite desce igual manto
Cobre a cidade de escuro
Sua voz é tecida com as luzes
Que piscam como sussurros

Apesar de faróis e buzinas
O silêncio ainda escuto
Esse diapasão interno
Som delicado e bruto

quinta-feira, 27 de março de 2025

Gosto de lamber ideias
De molhar o pensamento que
Se desmancha e se alastra
Curiosidade adentro

Como um rio navegante
Onde nadam pedrinhas e
- Um peixe pulou,
Você viu?

Esse território sinuoso
Que percorro agora
À espera de uma palavra
Que faça borbulhos

Qual?! - pergunta o horizonte

Aquela com maior textura
Para passar a língua 


terça-feira, 4 de março de 2025

Carnaval

O corpo colado
De purpurina
Abraça o brilho
Do sol de março 

As águas não rolaram
Mas o rio segue fluindo
A aridez o suor o samba
O  Rio continua lindo

É baco bloco barco
Sem rumo nem porto
Na proa ou no Leme
De Ipanema ao Egito

Eu me esqueço de mim
Só por um momento
Viro cinzas coloridas
Viajando no vento

Nessa dança coletiva
Faço desfaço refaço
Torno-me fogo-pássaro 
Na quarta eu renasço

sábado, 4 de janeiro de 2025

Disponibilizar-me 
para o vôo 

enquanto rugem

as pedras calcárias

moídas numa estação

esquecida na estrada


Levantar-me neblina

Vapor frio flutuante

Singelo movimento silencioso 

Segredo escondido

entre arbustos acesos


Planar

acima das cidades antigas

do lixo capitalista e

das estradas que nos levam

ao esquecimento


Lembrar de você e

incendiar-me


Tua memória aquecendo 

a escuridão enquanto

pouso em flamas

na concretude da 

tua imagem

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

O tédio 

Essa força inelutável
dilata e espessa
como um dia 
e s p a r r a m a d o
de verão 

Uma ânsia inemovível
paralisada e seca
caindo do alto de um galho
num velho outono adiantado

Essa contradição espasmódica:
terremoto quieto
cigarra aberrante
o vento surdo e cego
o som dilacerante 
explosão amena
a calma alucinante

Um sisco viscoso 
agarrado ao pensamento

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Meu corpo, torto e esperançoso,
Como mater-se sensível
Diante do caos incompreensível?

Diante do barulho surdo,
Meu corpo, vísceras do mundo,
Como manter-se poesia, tripas e tudo?

Meus olhos cansam
Da violência, repetida,
Da visão seca da morte,
Das vidas precarizadas,
Das mentes adoecidas.

Meus músculos não descansam,
Abandonam-se aos ossos.
A garganta arranha,
O grito mudo grudado no muco.
Nem um cuspe, nem um agudo.

O silêncio não é mais bem-vindo.
Só o barulho avassalador
Do nada
Engolindo tudo.

Casas, ruas, trens,
Sons, metais, buzinas,
Cidades, campos, neblinas,
A morte, a vida, em carne viva.

Misturadas ao suor da terra,
Sangram. Escorrem sem saída.

E ainda, apesar dos pesares,
Um coração pulsa numa bananeira.

O som possível de um piano
Vagueia pelo calor insano,
Preenche o ar cinza e grosso,
Depois das notas do remorso,
Onde um delicado tom verdejante
Insiste em brotar de qualquer maneira.