quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Balada do caranguejo

é uma arte que desconheço a de parir-me sem esforço
como o caranguejo que emerge novo da casca
a pele ardendo por não caber mais em sua couraça
a proteção da casa é arma de caça: garra avantajada
pois se não pode ficar em sua toca
e tem de sair às riscas mar a fora
com todo o perigo que ali mora
poderá se defender das marinhas ameaças

submersa

aprendo a sair do casulo com menos desconfiança
tendo coragem de encarar os medos
as dores e as tristezas possíveis
que se inventam nas bifurcações

imensa
emersa

quero viver
o movimento das águas
quero amar uma cabra com calda de sereia
quero fazer do oposto ascendente
um desafio que faz crescer
quero estar inteira pro amor
como devo estar, sei que devo estar

por isso me banho em sal
a pele ardendo no desconhecido
apesar da tristeza aguda
que desponta da reconhecida
mordida que dei no amor e
da incerteza que se segue...
o perdão flutuando com as algas
a dúvida aflorando verde
a maré subindo com a visão
do sofrimento causado

imunda
e mansa

lua crescente em escorpião,
ampara meu coração aguado
dá colo pras filhas que sofrem
de feridas profundas
acolhe o meu amor
do outro lado
e traz leveza com sua gravidade
com sua certeza de transformação
acolhe o meu bem
acolhe o pranto,
mãe noturna das profundezas impuras

me inunda
e imanta

permita-me

renovar
respirar
reparar

seguir
despreparada

amparada

ma(i)s atenta
e atenciosa

mar a fora
mais a fora
mesmo dentro
sempre funda
mais aflora
mar a dentro
mais afunda
a imensa flora

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

o jogo do bicho

sim, eu sou um monstro
um monstro bem cabeludo
cínico e sensual
antes de me travestir de bicho dócil
eu sou esse monstro
vívido, animal

caminho na superfície
como bicho são
dono da razão
peito aberto pras praças
e a torneira escura
jorrando água
até alagar o pátio inteiro

na enchente me desacho de mim
encontro o monstro
em sua crueza natural
e dou a mão a ele
pra ver se nos salvamos
desse dilúvio matinal

o descaso vaidoso do bicho
não percebe que
antes de ser presa
é ele o predador

e segue casualmente
em sua casualidade casual
de bicho tolo panaca
que esqueceu a sua força e seu brilho
nos pelos cintilantes e sedosos do monstro