sábado, 30 de junho de 2018

para o Pedro

de ondas se faz o centro  
a pressão de estar debaixo da terra 
sem escoamento possível 
mas de ondas se faz o centro 
e o passado se faz no presente 
essa dança  
é como uma arma  
não se pese 
é de ondas que se faz o centro 
no cerne cardeal  
de todas as medidas 
norte sul leste oeste  
onde meu olho vai 
vem também este cordão  
que arrasto desde o nascer 
centro 
abismo  
hoje chorei debaixo d'água 
dancei no fundo do oceano 
depois me disfarcei de superfície 
é de espanto que se faz o homem 
e de ondas que se faz o centro 
dando voltas em si mesmo 
buscando o que? 
a certeza de que só há incerteza 
a segurança de que só há insegurança 
a coragem de se lançar ao indefinido 
mesmo que seja ilusão 
in you im lost 
não há salvamento  
estamos sozinhos  
nessa noite desconhecida 
sempre estaremos sozinhos 
mas temos as vozes que nos acompanham 
sussurrando memórias de um futuro incerto 
a tempestade dentro de um tormento 
de ondas é que se faz o centro 

Contorcionismo para a expansão

Tenho crescido no meu corpo ainda juvenil
como uma esponja que vai absorvendo a água toda, 
como uma suculenta que retém a água para suportar a secura externa, 
como um jarro que se enche sem jamais transbordar, 
e que quando se olha dentro parece vazio e escuro 
como se guardasse a noite vazia e escura em si.  

Quando me observo agora com o corpo inchado  
de uma gravidez espiritual 
e de uma fome cada vez mais larga;  

quando me vejo nutrindo essa busca 
de mim mundo adentro de mim mesma, 
e me vejo tocando o dedo de Deus 
numa religação revigorante com a natureza
e o mistério que circunda a existência de todas as coisas 
em todos os tempos, eras geológicas, astrológicas, e amorosas, 

me sinto de alguma forma nova e velha ao mesmo tempo. 
Como se descobrisse algo novo que, em verdade, 
é toda a memória magmática, que está em mim 
numa pequena partícula vibrátil  
em cada célula do meu corpo, 
que às vezes arrepia de dentro pra fora até a pele, 
me indicando o caminho mais coerente, 
que é aquele que me leva sempre de retorno a mim. 

Porque eu não tenho em verdade 21 anos, 
eu tenho bilhões e bilhões de anos...  
Mas o que é em verdade o tempo? 
Está contido nesse segundo 
em que sou eu agora e ouso dizer que tenho 21 anos  
e ainda não aprendi a predizer e a ler os oráculos. 

A arte de olhar o passado é a de arriscar jogar o jogo do futuro. 

Pois é preciso conhecer estes mistérios, 
ter o pé cascudo e firme, 
vestir-se do barro quente, 
e adornar-se com pedras e tecidos leves -
que estão à disposição de nós como o sol,  
que se levanta laranja nos sonhos de alguns. 

Encontrar a ancestralidade 
não é necessariamente buscar na família 
a árvore genealógica, 
é também descobrir a sua face para além do espelho, 
reconhecer as forças que te acompanham, 
se familiarizar com elas. 

É ser raiz que nutre o corpo 
que se alonga rumo ao céu 
numa dança sutil da alma: 
contorcionismo 
para a expansão. 





terça-feira, 12 de junho de 2018

Ana,

I
o teu afeto me move e emociona
o teu carinho me soa como casa
o teu riso movimenta as borboletas
cá dentro da minha barriga

já sou um rio quieto esperando cê voltar

II
vem com seus barulhos de grilo falante
e seu jeito de falar poesias por
entre os dentes pequeninos
esse olhar de bicho ou de criança
ou qualquer coisa cúmplice
e sagrada que emana de tuas
pupilas pretas de bola de gude

é na brincadeira que se leva a sério a vida

III
vamos inventar uma fábula
em tons de terra cota
em que os bichos saibam dançar
o côco, e as palavras saibam
rastejar

que não haja limites pra nossa inventurança

IV
respeitar o corpo
escutar o desejo
saber que se é natureza


o amor é o que mantém as células juntinhas


V
seu torço macio dobrando entre
meus dedos por debaixo
da camisa do pijama que
grudou na sua pele feito mel

imagens que guardo para os suspiros


VI
incontáveis palavras
ecoando
com a sensação de que
eu adoro te escutar e
te ver movimentar os lábios


você é exímia comunicadora
(principalmente quando me beija estalado)


VII
24 horas passam como 6
e já quero ver multiplicado o
tempo que meu umbigo cola
no teu numa matemática
afetiva que nos desenrola


como o um que gera o dois quero dançar forró com você

VIII
quentão ficou meu coração
depois dessa ciranda linda
arrê, viva São João!
e a arte de cantar cantiga

ó, tua aura cor de mel brilha mais do que o sol


IX
tua voz doce
falando de outra voz
doce numa ode
aos sons que emergem do mar


A imaginação é uma jangada
(que me conduz a ti)


X
palavra cuspida é
palavra revelada
palavra escondida
é palavra-coágulo

sem caroços na garganta: vamos falar de amor