Meu corpo, torto e esperançoso,
Como mater-se sensível
Diante do caos incompreensível?
Diante do barulho surdo,
Meu corpo, vísceras do mundo,
Como manter-se poesia, tripas e tudo?
Meus olhos cansam
Da violência, repetida,
Da visão seca da morte,
Das vidas precarizadas,
Das mentes adoecidas.
Meus músculos não descansam,
Abandonam-se aos ossos.
A garganta arranha,
O grito mudo grudado no muco.
Nem um cuspe, nem um agudo.
O silêncio não é mais bem-vindo.
Só o barulho avassalador
Do nada
Engolindo tudo.
Casas, ruas, trens,
Sons, metais, buzinas,
Cidades, campos, neblinas,
A morte, a vida, em carne viva.
Misturadas ao suor da terra,
Sangram. Escorrem sem saída.
E ainda, apesar dos pesares,
Um coração pulsa numa bananeira.
O som possível de um piano
Vagueia pelo calor insano,
Preenche o ar cinza e grosso,
Depois das notas do remorso,
Onde um delicado tom verdejante
Insiste em brotar de qualquer maneira.