sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

O tédio 

Essa força inelutável
dilata e espessa
como um dia 
e s p a r r a m a d o
de verão 

Uma ânsia inemovível
paralisada e seca
caindo do alto de um galho
num velho outono adiantado

Essa contradição espasmódica:
terremoto quieto
cigarra aberrante
o vento surdo e cego
o som dilacerante 
explosão amena
a calma alucinante

Um sisco viscoso 
agarrado ao pensamento

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Meu corpo, torto e esperançoso,
Como mater-se sensível
Diante do caos incompreensível?

Diante do barulho surdo,
Meu corpo, vísceras do mundo,
Como manter-se poesia, tripas e tudo?

Meus olhos cansam
Da violência, repetida,
Da visão seca da morte,
Das vidas precarizadas,
Das mentes adoecidas.

Meus músculos não descansam,
Abandonam-se aos ossos.
A garganta arranha,
O grito mudo grudado no muco.
Nem um cuspe, nem um agudo.

O silêncio não é mais bem-vindo.
Só o barulho avassalador
Do nada
Engolindo tudo.

Casas, ruas, trens,
Sons, metais, buzinas,
Cidades, campos, neblinas,
A morte, a vida, em carne viva.

Misturadas ao suor da terra,
Sangram. Escorrem sem saída.

E ainda, apesar dos pesares,
Um coração pulsa numa bananeira.

O som possível de um piano
Vagueia pelo calor insano,
Preenche o ar cinza e grosso,
Depois das notas do remorso,
Onde um delicado tom verdejante
Insiste em brotar de qualquer maneira.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Esta é uma nota de agradecimento. 
A todos que vêm a este lugar, este blog simples, um recanto sem luxo nem anúncios no vasto espaço cibernético, buscando nas palavras um toque ao coração. 
Escrevo blogs desde a adolescência, e ao mesmo tempo que me acompanha uma solidão e um silêncio, como se falasse ao vazio, também sinto a esperança de que alguém, em algum lugar, me escuta. Um poeta só existe porque existem leitores. 
Você, que me lê agora, o que te traz aqui? O que você espera encontrar nesse cantinho que compartilhamos como um quarto escuro? Adoraria que você me contasse aqui nos comentários. 
De todo modo, essa é uma nota de agradecimento. 
Seja o que for que você busca, espero que encontre, mas se não encontrar, espero que a travessia seja bela.

Com carinho,
Dani

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Gigante é a criança que me habita
Bochechas rosadas quando grita
Ou a vergonha visita minha barriga

Gigante é a criança que me habita
Crescendo a cada dia quando brinca
Livre enquanto passeia pela escrita

Gigante é a criança que me habita
Mesmo quando se sente pequetita
E quer se esconder numa frase antiga

Gigante é a criança que me habita
Faz rebuliço, arte, gira, mandinga
Torce a fé por onde pisa

Firme, sem medo, nem avisa
Confiante, entre idas e partidas
Gigante é a criança que me habita

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Pés no chão 
de uma realidade 
dura
Piso firme
O asfalto quente
queima
caleja

Olhos em riste

disparam

cinzas

Os trilhos

faiscam

flechas


Quadris fortes

Titânio 

Bambos

diante da dor

que dança 

o não dito


Bocas largas

cheias de dentes

Devoram 

o que?

A raiva mordendo

as próprias bochechas 


Bocas falam

Articulam

o que?

Palavras turvas

disfarçadas

de importância 


Afinal, importa

o que?


Sorrisos 

subsistem 


Sorrisos 

sempre 

possíveis


Como mísseis


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Hoje acordei num grito mudo
a raiva e sua voz ecoando
entre as paredes da sala de aula
Na multidão de timbres
debochados, autoritários
o grito se avoluma
a vogal aguda
rompe os muros
da boca, liberta
a indignação e
faz a mudez ruir

Hoje acordei para uma difícil tarefa
e o grito-mundo me pediu
escuta
paciência
humildade para saber errar
força delicada para poder nutrir

Hoje acordei e quis chorar
mas levantei da cama
de mochila nas costas
uma criança nervosa
para o primeiro dia de aula
toda a coragem estufada no peito
pronta para os arranhões e
para as memórias coloridas
que povoarão novos sonhos
quando eu for dormir

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Qual livro clama, 
de dentro da boca 
escura e quente 
da fera da escrita?

Qual livro trama 
silêncios & repetições
buscando uma saída
na palavra saúva
como uma epifania 
no corpo frágil
de uma formiga?

Qual livro é esse
que a minha língua
anseia por lamber
e as minhas mãos
salivam por tecer?

Pelo amor das palavras
sinceras & sagradas
rogo pelo livro oculto
perdido nas esquinas
da memória.

Rogo pelo meu querido livro,
para que encontre seu rumo
nas linhas tortas 
do meu pensamento errante.

Peço para que de mim 
não se esqueça
e no labor da letra
em mim se escreva.

Escrever:
Enguias eletrificam as águas
silentes e perigosas
do inconsciente.

A mão dispara às teclas
agitada pelo furor das sinapses,
abrasada pela faísca das palavras

suspensas,

nadando na atmosfera do pensamento,
aguardando, como peixes perdidos, 

surpresas suculentas,

sem suspeitar o gosto do ferro frio,
do remorso líquido 
escorrendo
do anzol.