sexta-feira, 22 de maio de 2020

natureza viva:
abalos sísmicos
o sangue e a seiva
dor de ventre
o som esquecido
das raízes das árvores
escapando-se sempre
o pulsar de um coração
o vasto vento do sul
o plainar de um ser azul
os gestos que emergem 
das beiradas do corpo
os dedos das mãos
de súbito no ar
feito pergunta
a resposta:
não mais que
dedos das mãos
bastam-se.

natureza morta:
pousa na mesa
de um vôo longínquo
plácida e tácita
tangerina
salivando
aguarda
seu destino sombrio
da ponta dos pincéis
à óleo não assobia
é coisa parada
assim
inamovível
sem segredos
sem som:
memória laranja
ao meio-dia.


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Mãe,
esta palavra vital,
palavra de carne
e de sangue
umbilical.

Mãe,
palavra de ordem
(não esta ordem
patriarcal):
unifica as poeiras,
organiza o caos.

Mãe,
palavra longitudinal,
de poço profundo,
nesta palavra cabe
todo o espaço do mundo.

Mãe,
porque o céu é azul?
o que significa um segundo?
é das perguntas que nasce
termo tão fecundo.

Mãe,
nas mãos tem vida
e tem morte,
sua pá lavra toda
e qualquer sorte.

Mãe,
é o princípio e o norte;
é o vaso que enche
sem jamais transbordar.

Mãe,
nas bordas do nome
costura o tempo anelar,
nos ecos das sílabas
sibila tramas:
tanta teia a tatear.

Mãe,
nestes fonemas
vociferam
turvas vozes
tantas vezes
abafadas:

Mãe
(esta palavra em fúria),
desata os nós que
não podemos desatar,
transforma o passo
ao por nós passar.

Mãe,
do teu compasso
faço esse ritmo,
pois que no palato
dança este vasto
e íntimo ofício:

o de com palavras
tecer com fios de
som e sentido
até do nada nascer
um poema
pulsando vivo.