terça-feira, 20 de junho de 2017

otemponãopassa

já é claro
no fundo do céu
que amontoado de ventania
escapa do meu olhar
e te atinge em cheio
ossos boca pulmão
(a tua pele espessa)

eu estou cheia de ventania leve
como quem medita
e sente o cheiro da hortelã

dorme já em mim de madrugada
e já é claro
enquanto sonho novos alfabetos
que a tua presença se amacia
e toma forma sobre a minha superfície

superfície também é fundo
é céu espelhando mundo
escuro
escuro
claro
já é claro
um sol nascendo no meu peito
a luz atravessando meus órgãos

quero dançar a dança sideral dos órgãos
meu pâncreas colado no teu
trocando fluídos e espaços


O dia deitado
O corpo deitado e mole
As coisas que você escreveu e que eu gostei tanto de ler
Meu bem, quero te chamar de meu bem
Quero que sejas meu bem, tudo bem por você?
Eu nunca antes na minha vida
Conheci alguém que me dissesse que
Eu sou uma criatura marinha
Porque eu sinto que sou mesmo aquática
Eu me agarro a ideia do meu ascendente
Que é caranguejo
Que é mangue
Que é fundo do fundo do fundo
Veja bem eu ainda estou descobrindo a minha espiritualidade
A minha sexualidade brutal
Da onde eu vim e pra onde eu vou
Que sou eu, entende?
E eu gosto de astrologia
Tenho muitos planetas em aquário na casa sete
Meu nome tem sete letras
Assim como o dos meus irmãos
E foi de propósito
Eu acho que eu herdei essa coisa com o sete do meu pai
Porque eu nasci no dia sete do ano de mil novecentos e noventa e sete
Então não acho que essas coisas são por acaso
Eu acredito na sina
Eu gosto de missa fúnebre
De igreja barroca e de órgão
Eu gosto da voz da Maria Bethânia
Eu gosto do cabelo da Maria Bethânia
Eu gosto da Maria Bethânia
E do Caetano cantando asa branca
Eu gosto mesmo é de você, meu bem
Quando me mostra as coisas que você tem e as coisas que você faz
Do jeito que você fala
Eu já te olhava assim desde que você me mostrou seus desenhos na mesa do bosque quando a gente se conheceu
Você é o cavalo sossegado
O prato largo e fumegante
O prédio que eu vejo agora da janela do 439
A Tijuca inteira e seus casarões
O azul da parede e o verde da porta que eu estou vendo agora, meu bem!
Meu bem, você é tudo isso que eu olho e que já é parte de mim
Quero que entenda
O sol que me atravessa e suspende todos os carros e máquinas perdidas da cidade
Junto com a poeira no ar
Os barulhos e o tremelique do motor
Hoje quando acordei o jardim botânico estava coberto de lama
Eu nunca em toda a minha vida vi isso acontecer
É a terra tomando o que é seu
Um dia a terra vai invadir tudo e tomar tudo de novo pra si
Ou um meteoro vai cair e destruir tudo
A gente inventa de fazer represa e subir prédio de concreto mas é só pra fingir que não tem medo
No seu poema você diz que não tem medo de morrer
Não sei se é verdade mas eu acredito
E é por isso que eu te admiro
E te visto de todas as coisas que encontro no mundo