segunda-feira, 24 de maio de 2021

Poema escolhido entre os 10 vencedores do Prêmio Off Flip

Ode mínima à Hilda Hilst

Hilda,
Hilda,
Se me escutas do outro lado,
Dize-me de vento e alma:
Há poesia
ainda etérea
imaterial e viva
depois da morte tísica
do corpo?
Há desejo, há insanidades
poéticas, divinas?
Há bacanais, flautas, corças?
Ou a face de Deus é sóbria
lúcida lânguida lúgubre
como a poeira cósmica
dançando no parapeito da aurora?
Dize-me:
A Morte te tomou voluptuosa
Ferrugem esboçada
Funda, fina, rasa, tina?
Te carregou nos flancos,
rumo ao nada,
dulcíssima cavalinha?
E a Vida uns barcos bordados,
mosaico de teias,
fluxo claro de cores líquidas,
foi-te infinita a cada instante,
peixe rubro que és?
— Tomei e fui tomada
No abismo dessa antessala,
te procuro, te toco tácita
sem dedos, sem máscaras.
Te entrego em reverência,
Hilda,
Hilda,
estas palavras parcas
(ainda que trêmulas,
ainda que plácidas).