sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Tua semente
Dentro do meu universo
Frio e fundo
Tão fecundo espaço
Oco

Mão macia em carne quente
Bafo quente em cama macia
Xamego, cafuné
Um dengo
Um tocar de pernas
Euvocê

A energia dos corpos
Os passados entrelaçados nos futuros
Aqui,
Na periferia do mundo
Descobrindo as bordas e os extremos do corpo
Abismo
Abandonando os juízos
Que só servem para atar os pés à areia movediça do já conhecido

Aí, depois da cordilheira, faz frio?
Estou debaixo das cobertas
Seu cheiro comigo navega entre as memórias
Meio difusas
Meio vagas
Bruxuleando como seda
Jangada no mar

Aqui,
Escuto música para tranquilizar o espírito
Me sinto calma
Tenho um sono infantil querendo me ninar
E os olhos acesos na espera da sua voz
Do outro lado da linha
Desse fio que nos liga

Amadureço como um figo
Negro e paciente como o céu escuro
O som das cordas entre os dedos
Me conduz numa viagem doce
Em que eu vibro e me viro ao contrário
Até apodrecer no colchão
Mole e esparramada
Completa

No pico desse instante
Tenho você dentro do meu universo
Feito uma semente
Que já desabrochou

sábado, 10 de agosto de 2019

Ao pé dos Andes

  Sob meu corpo
  horizontal
pousado em verde
  a terra move-se 
  no âmago magmático
   centro delirante 
desta esfera
  mais que lúcida
  mais que inteira
  vibrando em teia
  cadeia de círculos
  incomensuráveis vínculos
fissuras
vincos
espaços
 medéias
por onde brota primavera
no hemisfério sul.

De baixo do silêncio
tembla
ferve
flui sem distinção
matéria primeva
esperma que
se espalha
na superfície
rugosa e quieta
donde saltam
braços
 pernas
órgãos
veias
criaturas de areia
carbono e éter
sibilando
em segredo
a senda aberta
ao centro cego
de nós mesmos.

E tremem
- todas -
as tolas certezas
que insistimos
em proferir.

domingo, 7 de julho de 2019

Estrangeira

As quinas da casa
         reluzem mistério.

Eu passeio por entre suas bordas
         como um gato
         atravessando as brechas
                                           do tempo:

Com um olhar sério
         atento ao que não se ouve:
         se anuncia
                      nos panos gastos que cobrem o sofá
                      no ranger das portas
                      no estranho espelho
         que mira esta nova sombra
         a vaguear os cômodos
                                       como espectro.

Em cima da mesa
         há um som etéreo,
Por debaixo das frutas
         um mel de histórias
         escorrendo,
                      aéreo
                           como um sonho...

         Vasta solidão a qual me exponho.

Há um arrepio desconhecido
         me percorrendo a espinha,
Mas,
              entre as frestas
           
                                  que se multiplicam
               
                                                              ao meu redor,
          Há um silêncio
             que me saúda
    como velho amigo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Dentro da noite selvagem

Deitada no corpo rochoso da Terra,
Encostada na encosta de pedra,
O olhar verdejante de estrelas...
O resto de fogo
que aquece a nudez da alma;
O rastro de fogo
que corre veloz no espaço...
O que é? Este universo?
O que sou?
Caibo em algum verso?
Ou sou incógnita?
Magnitude?
Circunferência?
Queimo mapas.
Pele de lagarto,
Vivo de deserto.
Escassa é a fonte do Intelecto,
Melhor seria render-se ao Vazio
Que me cerca.
Me encharca.
Me abraça.
Me escapa...
Graciosa escarpa
Onde estou a deitar.
Coluna vertebral.
Útero da Grande Mãe:
Recebe o calor do meu corpo
Escarnecido;
Recebe este murmúrio.
Este sopro de vento.
Fecho os olhos
Em agradecimento:
Venham sonhos,
Me banhar.
Deixo que fluam
Animais e plantas
E o imaginário
de homens e mulheres...
Senda da noite,
Fronteira de luz
Que me protege o sono
Com manto sereno.
Guarda teus seres
Na floresta da origem,
Onde estão os germes
Daquilo que somos...
E do que já seremos.







sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Vintedois

existe algo dentro a mim
cá, no profundo mar que me navega
que dita a fome desse naufrágio
que dura mais de duas décadas
visto ilhas desconhecidas
banho-me de pequenas pérolas
areia doce frutas e semblantes macios

são meus companheiros de peripécias
mas é a imensidão que me reina
é ela que me catapulta sempre além
e volto ao mar com saudades imensas
de viver de tormentas e calmarias
das ondas que me embalam
no sagrado silêncio entre a pressa e o sono

chegada a hora de alcançar o porto
de dormir no cais
enquanto as tartarugas madrugam
oceano adentro e vagueia o som
dos meus pensamentos
por entre as folhagens do meu despertar
nasce na aurora um calor distinto

que me embrulha em fogo
e faz brilhar em meu peito
montanha ávida de povoar o leito da terra
com o magma fervente subindo a atmosfera
rugindo luz e rocha e força e fúria e poder e nascimento
foi esta luz tão súbita que me alastrou no seio deste solo-mãe
e agora sou fonte de sonhos de fogo e derramo pétalas de fuligem

quando os olhos marejados
da saudade que bate na encosta
é o mar que canta pra eu dormir em sossego
mas são lágrimas de pedra que eu descanso
do avesso em ondas retorcidas e em descontrole
penetro fértil na terra doce e vocifero palavras estrangeiras
tenho o nome em tropeço, mas avanço, acesa, dentro da noite que ilumino inteira



sábado, 12 de janeiro de 2019

A Racha Humana

faço
desfaço
refaço
disfarço

temes tu, a tragédia grega?

paro
parto

reparo
reparto
disparo

temes tu, a pangeia, o apogeu?

faca
fica
finca

falo
falho
filho

temes tu, édipo odisseu?

rema
rumo
rama

reina
ruína
fama

temes tu promessa, prometeu?