Solto os cabelos
Há muito crescendo
(Esqueci-me de aparar as minhas beiradas
Deixando o mato apossar-se de minha terra
Fértil e lodosa)
Tranço nele o amor de minhas irmãs
Flores crescem na minha relva-pelos
Abro meus poros pro mundo
O todo - o amor de minhas irmãs - é uno
Ventre contrátil
Expando e contraio
O avesso do contrário
Que habita as infindaveis ondas sonoras
Ecoando de dentro pra fora
Do meu corpo
Deixo fluir sobre meu sangue
As gotas salgadas que engulo do mar
Aprendo a aceitar
As ondas que vem e depois vão
O contínuo movimentar-se
Rotação após rotação
Translação após translação
As estrelas me guiam
E sei que não ando só
Dorme no meu peito um mar calmo
As vezes agitado e revolto e nó
O oceano me penetra e não cabendo
Me transborda
Não podendo conter-se
Me assola
Me escapa e avança
Sobre as pedras
Sobre os muros
A força que emerge do meu ventre raivoso
A vaidade por entre os dentes é um rio sinuoso
Leva embora
Me dê trégua
Me carrega
Pro teu lar
Desemboca
Atravessa
Chora
Beijando o mar
Doce menino que acalento
Não sabes donde veio
Mas eu te digo:
Veio do quente
Do oco de dentro
Útero primevo
Tua casa
Teu sustento
Te alimento
Pra então te devorar
Cresce em mim, filho rebento
Junto das revoltas
Dos tormentos
Maremotos
Furacões
Fura mil corações
No teu caminho sem dó nem volta
Mas não olha pra trás
Que não mais estarei cá
Serei pó e a própria pá
Cavando na terra meu túmulo
Flores raras, banalíssimas
Hão de desabrochar
E então seguindo o baile da vida
Hão de se derramar no solo sem perdão
Regressus ad uterum
Caverna-corpo
Meu gozo tosco e sincero
Vale cada suor escorrido
Aprendo com os teus sorrisos
Ó bruxas: mães irmãs e avós
A brevidade da terra
A salinidade do mar
Os fios que crescem de mim
E me conectam a terra, ao mar
A ti, a nós, a mim
Mas sei e admito:
Ainda preciso aprender a orar